quarta-feira, 13 de junho de 2012

O Negócio é Proibir

Recentemente, ganhou algum destaque a discussão sobre descriminalização, sobretudo do consumo de drogas. Enquanto para alguns o avanço (de um ponto de vista progressista) parece tímido demais para maiores debates, para muitos parece ainda uma questão especialmente polêmica essa de não criminalizar indivíduos por certos hábitos de consumo - não por possíveis consequências desse consumo ou algum prejuízo a terceiros, mas o mero consumo por si só. E me impressiona o aparente tamanho dessa parcela da população pró-criminalização. Em bom português, a favor da repressão, da proibição, do cerseamento da individualidade.



É certo que alguns hábitos individuais podem provocar ações prejudiciais a terceiros, sobretudo se alteram a consciência e o auto-controle. Se o indivíduo não sabe manter para si os efeitos de seus atos, deixa de ser uma questão individual para se tornar coletiva, e passível das devidas sanções sempre que causar danos a terceiros ou à coletividade. Até aí nenhuma dúvida. O interessante é centrar toda preocupação na questão individual e antecipar a condenação ao indivíduo por atos que ele poderia ter praticado, mesmo que, na verdade, não o tenha.

É uma prática discriminatória, pois os mais diversos hábitos e comportamentos são, de alguma forma, potencialmente ofensivos. Quem é mais perigoso, o motorista altamente estressado ou o consumidor moderado de álcool? A pessoa que é violenta ou a que usa maconha? O que deve ser proibido ou não são essencialmente convenções. Por regra, proíbe-se o que foge ao status quo e isso independe do potencial ofensivo das eventuais consequências.

Sendo, portanto, todos e cada um de nós passíveis de condenações e restrições, independente da individualidade de nossos atos, é interessante que a prática da proibição e da criminalização seduza uma maioria tão considerável. É uma prática extremamente ineficiente, em qualquer sentido, e isso precisa ser compreendido antes de mais nada. Cada um acaba por fazer o que quer, proibido ou não. Pegando o gancho do assunto em voga, consumo de drogas, quem quer consumir consome - a diferença é que em vez de adquirir no comércio adquire com o crime. E quem quer vender vende - mas em vez de tornar-se um comerciante torna-se um criminoso. A proibição não coíbe a prática, apenas a criminaliza.

Ainda nesse exemplo, é fantástico o volume de recursos empregados na repressão ao tráfico, humanos, financeiros e materiais. Sem falar na manutenção dos presídios e casas correcionais, superlotados principalmente graças à criminalização das drogas. Sendo o Estado um só, esses mesmos recursos deixam de ir para educação, saúde e inclusão social. Áreas que poderiam gerar algum resultado em longo prazo, ao contrário da ação policial, que enxuga o gelo. É mais econômico, eficiente e sustentável tratar a dependência como problema de saúde, tratando o tráfico como qualquer outro comércio, passível de alguma regulação e fiscalização quanto a abusos.

A criminalização das coisas gera emprego e renda, essa é a verdade. Muitos são os negócios que se criam e prosperam na chamada guerra às drogas. Como o consumo, de qualquer forma, acontece, e o gasto do Estado também, o dinheiro rola - muitas vezes em mãos pelas quais, de outra forma, não rolaria. Todo um conjunto de interesses se levanta a favor da manutenção da proibição e da repressão, e não são interesses limpos.

Contudo, esses interesses só se sustentam em toda a ineficiência que impõem à sociedade porque encontram suporte nessa mesma sociedade. A fonte desse mal é a curiosa tendência do ser humano em julgar o próximo, para depois reprovar e finalmente recriminar. A aceitação a restrições de liberdade parece ter duas explicações: a vaga noção de que quem é diferente é errado, e potencialmente perigoso ao estilo de vida "correto"; e a idéia de que essas restrições pesarão mais para os outros, pois estão errados, e são necessárias para proteger os "corretos". Mais curioso ainda é observar que essas restrições comprometem todos os estilos de vida, direta ou indiretamente.

É uma história velha e mofada, mas pelo jeito ainda atual. E, verdade seja dita, é a trilha do fascismo. Cada passo na direção da proibição e da repressão de Estado é um passo na direção de um Estado e de uma sociedade fascistas. Não é necessário dar muitos passos nesse caminho, cada passo já é ruim. E o sentido oposto não parece mal. Seria a coexistência, a aceitação das diferenças, a concentração de esforços e recursos na real solução ou tratamento dos problemas sociais - e sim, eventualmente na criminalização e combate daquilo que for realmente ofensivo.

A prática da coexistência requer partilha de espaço e de liberdade entre os diferentes indivíduos, geralmente restando menos espaço para cada um do que se gostaria, já que são muitos e muito diferentes esses indivíduos. Mas a aceitação de soluções repressivas também acaba restringindo esse espaço, não por redistribuí-lo mas por eliminá-lo. Péssima solução. Pior ainda por gerar um círculo vicioso: quanto mais as pessoas são perseguidas ou reprimidas, mais violentamente elas respondem à sociedade, dando mais motivo para a causa da repressão.

Por fim, às opiniões mais ferozes, fique claro que não se trata, aqui, de "defender bandido", mas de preservar o espaço e liberdade do outro na mesma medida que eu espero que se preserve o meu, e de não se ter tanta pressa em recriminar e perseguir qualquer coisa, guardando essa energia e recurso para os verdadeiros bandidos - e, principalmente, para reais soluções aos verdadeiros problemas sociais.

Um comentário:

  1. Bom tema, ainda daria pra discutir o impacto da criminalização das drogas na vida das pessoas que moram nas favelas, na insegurança das cidades, na corrupção policial, na superpopulação dos presídios, etc. É realmente um assunto bem relevante dos tempos atuais.

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