quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Capital Colaborativo e A Economia do Terceiro Milênio

Para entender melhor as condições em que se torna possível a realidade abaixo descrita, recomendo dar um pulinho em A Terceira revolução industrial - mas depois volta aí!
Em uma sociedade em que o principal fator de produção é o conhecimento, a capacidade produtiva está dentro de cada indivíduo. Mas, pela lógica desse fator de produção, a geração de valor se dá apenas a partir da interação desses indivíduos. Ainda, diferentemente de qualquer outro fator já utilizado, o conhecimento não se consome com o uso, mas, pelo contrário, se multiplica a cada interação. Ou seja, o acesso ao principal fator de produção da atualidade não se dá pela concorrência, mas pela cooperação, e sua conservação não se dá pelo monopólio, mas pela disseminação. A economia que se estrutura sobre esse fator de produção, consequentemente, não é competitiva, mas colaborativa, e o que crianças de maternal entendem naturalmente ainda é um desafio para o raciocínio de boa parte do mundo.

As características inerentes ao fator conhecimento, da apropriação individual e da disseminação aberta e irrestrita - não é mais viável qualquer regulação efetiva sobre isso - alteram o foco dos processos produtivos, da grande organização para a rede informal de indivíduos, e alteram também, como consequência, a lógica que estabelece os objetivos desses processos. Enquanto organizações econômicas visam o lucro financeiro, e organizações outras visam acúmulo de capital político, e todas visam sua própria permanência no tempo, indivíduos têm as mais diversas motivações: ganho financeiro e capital político inclusive, mas também autodesenvolvimento, realização pessoal, espírito de comunidade, engajamento social e outros. Da mesma forma que cada indivíduo tem um diferente conjunto de conhecimentos, também tem diferentes necessidades e motivações.

A partir dessa constatação, se torna  interessante um ambiente de trocas constantes, em duas vias, conforme a máxima "de cada um, suas capacidades; para cada um, suas necessidades". Não chega a ser um escambo, pois a rede que se forma é plenamente conectada. Cada indivíduo conectado joga para dentro da rede sua contribuição (de cada um, suas capacidades) e retira de lá o que lhe interessa (para cada um, suas necessidades). Lembrando que nem lá nem cá ocorre qualquer subtração, mas multiplicação.

Quando o fator a ser considerado é o conhecimento, não há consumo, apenas produção, de modo que não há tendência de escassez, mas sim de abundância, o que torna sem efeito quaisquer práticas de reserva de mercado, concorrência ou monopólio. A formação de uma rede de acesso irrestrito baseada em colaboração é natural. Não havendo restrições, essa rede tende a crescer em nível global. Extrapolando, imaginemos todos os indivíduos do mundo conectados uns aos outros pelos recursos de telecomunicações, contribuindo com o que têm e aproveitando do que precisam. Organizações econômicas ou políticas perdem muito de sua função nesse cenário - senão toda. Os indivíduos tornam-se capazes de agruparem-se segundo cada um de seus interesses e necessidades, pelo tempo em que estes durarem, e em grupos maiores ou menores conforme a importância de cada assunto para o conjunto da sociedade.

Não é necessário forçar o indivíduo à colaboração (o que aliás nem faz sentido) ou mesmo ter muita fé na pré-disposição em colaborar. A própria interação já estabelece a colaboração, e à medida que o indivíduo busca suas necessidades na rede ele automaticamente colabora para o enriquecimento da rede. Lembremos que o fator aqui é o conhecimento, e até uma pergunta ou crítica contribui para seu crescimento, e o simples acesso, ainda que calado, contribui para lhe atribuir valor. De qualquer forma, o mais natural e esperado é que cada um, enquanto tenha liberdade irrestrita para atuar onde quiser e como puder, demonstre interesse em participar daquilo que acontece ao seu redor e modifica o seu ambiente.

Ao menos em um primeiro momento, haverá dificuldades com alguns perfis de colaboradores. Como bem sabe quem já trabalhou em ambientes de trabalho mais horizontais, há por exemplo o falso interessado e o incompetente motivado. O incompetente motivado quer muito participar, se envolver, chamar para si, mas simplesmente não tem as condições necessárias àquele trabalho. Difícil dar esse feedback para alguém tão motivado. Com acesso irrestrito ao conhecimento e acúmulo de experiência em trabalho colaborativo, isso deve ter cura. Já o falso interessado não quer realmente contribuir ou participar, mas apenas fazer parecer, dizer que faz e acontece, motivado por ego inflado talvez. Em uma rede irrestrita onde as pessoas se movimentam livremente conforme seus interesses e são avaliadas por seus pares pela sua interação efetiva, isso perde o sentido.

O capital colaborativo - o conhecimento que o indivíduo acumula ao mesmo tempo em que compartilha - e a organização do trabalho em rede libertam as pessoas de trabalhos enfadonhos, indesejados ou inadequados. Cada um se vê livre para encontrar aquilo que gosta e sabe fazer, tornando-se capaz de desenvolver todo o seu potencial e contribuir de forma efetiva para a sociedade. Uma economia que se estrutura sobre esse tipo de trabalho há de ser muito mais produtiva e eficiente, consequentemente também sustentável. Mais do que isso, permite a distribuição da riqueza gerada, que tende a ser abundante. Se o principal fator de produção é abundante, tudo o mais tende a ser.

No âmbito político e social, o caminho da eficiência é um pouco mais complexo. Aqui, as pessoas devem colaborar não somente na consecução das atividades necessárias, mas também nos objetivos propostos, que afinal são coletivos. Decisões políticas afetam a toda uma comunidade e, para ter a colaboração de todos, precisam atender aos anseios de todos - ou ao menos não ferir os anseios de ninguém. Melhor do que a simples democracia - ditadura da maioria sobre a minoria - é a construção do consenso, algo que só é possível em um ambiente colaborativo, e também é o mais indicado. A partir de diferentes soluções possíveis a uma questão, se constrói uma nova, maior e melhor que as anteriores, e que resolve a questão para todos os envolvidos.

A colaboração em larga escala, para fins sociais, políticos e econômicos, advém da prática e da experiência. Hoje pode parecer utópico que grandes grupos de pessoas se entendam e atinjam alguma harmonia ou consenso para as mais diversas questões, mas a estranheza que a idéia causa em muitos deve-se à pouca prática de nossa sociedade no assunto. À medida que as pessoas sintam-se envolvidas nos processos sócio-econômicos e corresponsáveis pelas alterações em seu ambiente, buscarão desenvolver as habilidades básicas de colaboração, cocriação e construção de consenso - no fundo, naturais a um ser social, mas que desaprendemos ao longo da vida e acabamos tendo que reaprender.

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